O nosso Código de Processo Penal é tão extenso e tão confuso que para nós leigos se não desenhar a gente não entende.
Texto extraído na íntegra do site http://atualidadesdodireito.com.br/
RESUMO: Como parte das reformas que tem como objetivo aprimorar o processo penal e oferecer maior efetividade à realização de justiça entrou em vigor a Lei 12.403/2011. Defendida por uns e criticada por outros, a nova lei altera dispositivos importantes do velho Código de Processo Penal, que foi editado há mais de sete décadas, quando eram outras as condições do país. O presente artigo traz comentários a respeito de tais alterações, bem como apresenta algumas críticas e sugestões. Boa leitura!
PALAVRAS-CHAVE: Processo Penal – Prisões Cautelares – Medidas Cautelares – Liberdade – Lei 12.403/2011.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A prisão é uma forma cara de tornar as pessoas piores (Douglas Hurd, ex-ministro da Justiça britânico).
O Brasil conta atualmente com 512
mil presos – é a terceira maior população carcerária do mundo, ficando
atrás somente dos Estados Unidos (2,3 milhões de presos) e da China (1,7
milhões de presos). Do total da população carcerária, 56% já foram
condenados e estão cumprindo pena, e 44% (225 mil) são presos
provisórios que ainda esperam o julgamento de seus processos (esse
número abrange, além da prisão preventiva, a prisão em flagrante e
também a temporária). Ainda, segundo revela os mutirões carcerários do
Conselho Nacional de Justiça, muitas dessas prisões seriam
desnecessárias e ilegais.
A capacidade prisional é de
cerca de 320 mil presos. Assim, o déficit no sistema prisional gira em
torno de 190 mil vagas (falta lugar para quase metade dos presos). Quase
60 mil pessoas se encontram encarceradas nas delegacias, pois as
penitenciárias e os cadeiões não comportam e não dispõem de
infraestrutura adequada. A taxa de ocupação dos presídios é de 1,65
preso por vaga. O Brasil está atrás somente da Bolívia, que tem uma taxa
de 1,66. Há cerca de 500 mil mandados de prisão já expedidos pela
Justiça que não foram cumpridos. Cerca de dez mil pessoas são detidas
mensalmente. O índice de punição de crimes é inferior a 10%. Isso mostra
que, se a polícia fosse mais eficiente, o poder público não teria onde
colocar tantos presos e a superlotação seria maior.
Investem-se milhões para
aumentar a capacidade do sistema penitenciário, mas o crescimento do
número de presos supera qualquer tentativa de resolver a superlotação. A
construção de novas prisões custa, em média, cerca de R$ 25 mil por
vaga. Em termos de manutenção das vagas existentes, cada preso custa, em
média, cerca de R$ 1.800 por mês aos cofres públicos. É muito dinheiro.
Para acabar com este déficit prisional de uma só vez, calcula-se que
seria preciso construir 396 prisões (cada uma com capacidade para 500
detentos) e tudo estaria resolvido.
Sem dúvida, a prisão provisória é a grande responsável pelo boom carcerário
e pelo déficit de vagas no sistema penitenciário. Além de que, é nestas
cadeias fétidas e desumanas (que são regra no Brasil) que os presos
provisórios (presumidamente inocente) se encontram. Celas superlotadas
guardam presos que cometerem crimes sem gravidade e sem violência.
Pessoas que aguardam meses, às vezes anos presa, para, ao cabo,
receberem como punição uma pena diferente da privação de liberdade.
Pois bem. Diante deste caótico (fracassado) quadro, com o objetivo (ou, pelo menos, a intenção) dos três “r” – i)reduzir a superpopulação carcerária, ii) reduzir os custos com os presos e iii) reduzir o número de pessoas que não precisam de fato estar presas (famigerados “ladrões de galinha”), sejam enviadas ao cárcere (principalmente
por serem pobres e não terem meios de contratar um bom advogado) – no
dia 04 de julho de 2011, depois de tramitar por dez anos no Congresso,
entrou em vigor a Lei n. 12.403/11, alterando vários dispositivos do
Decreto-Lei 3.689, de 1941 (Código de Processo Penal), relativos à
prisão processual, fiança, liberdade provisória e medidas cautelares
alternativas.[1]
Feitas essas considerações
iniciais, passaremos agora a tecer alguns comentários, bem como
críticas e sugestões, acerca da nova Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.
COMENTÁRIOS À LEI 12.403, DE 4 DE MAIO DE 2011
Com a edição da Lei 12.403/2011, o Título IX do Código de Processo Penal passou a ser denominado “Da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória”,
não só disciplinando a prisão cautelar, como também trazendo
alternativas ao recolhimento do acusado ao cárcere durante o processo.
Moderniza-se o cumprimento de
mandados de prisão, autorizando-se a sua remessa a outra localidade por
qualquer meio de comunicação, desde que se comprove a origem autêntica
da ordem (art. 289 e §§, CPP).
Temos um novo artigo: o art.
289-A. Trata-se da criação de um banco de dados de mandados de prisão
em âmbito nacional, atualizado, a ser regulamentado (norma programática)
e mantido pelo Conselho Nacional de Justiça. Tal banco de dados deve
conter o registro de todos os mandados de prisão expedidos no País,
dando margem ao seu cumprimento por qualquer autoridade policial, esteja
onde estiver o procurado. Assim que a pessoa procurada é presa, compete
ao juiz processante informar o CNJ para a necessária atualização das
informações.
Com a nova lei, torna-se
obrigatório a separação de presos provisórios dos definitivamente
condenados. Antes a lei dizia “sempre que possível”, agora a lei é
impositiva, afirma a separação, evitando que réus primários convivam, em
prisões superlotadas, com presos de alta periculosidade. Rompe-se com o
modelo perverso pelo qual novatos aprendem com veteranos do crime. A
pessoa presa ganhou uma garantia e a não separação, pela autoridade
responsável, caracterizará constrangimento ilegal (art. 300, CPP).
Insere-se no Código de
Processo Penal o mesmo conteúdo do art. 5.º, LXI, da Constituição
Federal, disciplinando as únicas formas legítimas de prisão no Brasil.
Encerra-se, de uma vez por todas, qualquer discussão a respeito de quais
são as prisões processuais existentes no Brasil: apenas a prisão
preventiva e a prisão temporária. Todas as demais estão revogadas (Cf. o
art. 283, CPP). Em outras palavras, não existem mais outras modalidades
de prisão cautelar diversas da prisão preventiva (arts. 312 e 313, CPP)
e prisão temporária (Lei 7.960/89). A prisão para apelar, a prisão
decorrente de sentença condenatória recorrível, a prisão da sentença de
pronúncia e a prisão administrativa estão fora do sistema processual
penal brasileiro.
Agora, antes da condenação definitiva, o sujeito só pode ser preso em três situações: flagrante delito, prisão temporária e prisão preventiva. Mas somente poderá permanecer preso
nas duas últimas, não existindo mais a prisão em flagrante como
hipótese de prisão cautelar garantidora do processo, ou seja, a prisão
em flagrante passou a ser uma mera detenção cautelar provisório pelo
prazo de 24 horas, até que o juiz decida – a prisão em flagrante não
será nada após o prazo de 24 horas.
Mantem-se a disciplina da
prisão em flagrante, permitindo-se que qualquer pessoa do povo a realize
e constituindo obrigação da autoridade policial (art. 301, CPP). O
flagrante pode ser: a) próprio, quando o sujeito está cometendo a infração penal ou acaba de cometê-la; b) impróprio,
quando há perseguição ao agente, logo após, pela autoridade, pela
vítima ou qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor do
delito; c) presumido, quando o agente é encontrado, logo depois,
com instrumentos, armas, objetos ou papéis, que façam presumir ser ele o
autor da infração (art. 302, CPP). Formaliza-se a prisão em flagrante
diante da autoridade competente, ouvindo-se o condutor (quem deu a voz
de prisão), as testemunhas e o indiciado, se quiser manifestar-se, pois
há o direito ao silêncio (art. 304, CPP).
A nova lei amplia a garantia
de comunicação obrigatória da prisão, que será feita, agora, também ao
Ministério Público, além de se manter ao juiz competente, a família e a
pessoa por ele indicada. Quem não tiver advogado, receberá a assistência
da Defensoria Pública (art. 306, CPP).
Toda prisão em flagrante
deverá ser comunicada ao juiz no prazo máximo de 24 horas e, este,
quando receber o flagrante, terá então quatro possibilidades: 1)
decretar a prisão temporária, cabível nas restritas hipóteses da Lei n.
7.960/89 e somente quando imprescindível para a investigação policial de
alguns crimes elencados em rol taxativo; 2) relaxar a prisão, quando
ilegal; 3) conceder liberdade provisória com medidas cautelares ou sem
medidas cautelares; 4) converter a prisão em flagrante em preventiva, se
presente os requisitos do art. 312 do CPP e não cabível nenhuma outra
medida cautelar alternativa. Qualquer medida deve ser fundamentada (fato
+ direito).
Se anteriormente a prisão
preventiva era aplicada excessivamente no Brasil, como uma espécie de
antecipação da pena, agora, com a nova lei, a prisão preventiva (que é
uma medida cautelar) passou a ser medida cautelar excepcional, aplicável
apenas se outras cautelares restarem insuficientes ou forem de
aplicação impossível. Trata-se da prisão cautelar, segundo LFG (2011, p.
16), como extrema ratio da ultima ratio. A regra é a
liberdade; a exceção são as cautelares restritivas da liberdade (art.
319, CPP); dentre elas, por último, a prisão, por expressão previsão
legal.
Não obstante, a prisão
preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação ou do
processo, conforme requerimento do Ministério Público, do querelante
(ação privada), do assistente de acusação (ação pública) ou por
representação da autoridade policial. Em juízo ela pode ser decretada de
ofício pelo magistrado (art. 311, CPP). Fala-se que a prisão preventiva
pode ser de três tipos: inicial (quando decretada durante a investigação ou o processo),derivada (se resultar da conversão do flagrante) e substitutiva (em lugar de medidas cautelares descumpridas pelo agente).[2]
Mantêm-se os mesmos
requisitos para a preventiva: materialidade (existência do crime) +
indício suficiente de autoria + elemento alternativo: a) garantia da
ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c) conveniência da
instrução criminal; d) assegurar a aplicação da lei penal (art. 312,
CPP).[3] Acrescenta-se
a possibilidade de sua decretação para o descumprimento (ineficácia) de
qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares
(art. 319, CPP).
A prisão preventiva só será decretada nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade superior a quatro anos ou
se houver reincidência em crime doloso ou ainda se o crime praticado
envolver violência doméstica e familiar, não somente contra a mulher,
mas também contra a criança, o adolescente, o idoso, o enfermo e a
pessoa com deficiência (art. 313, CPP).
Se o réu for primário (não reincidente) cuja pena máxima em abstrato cominada para o delito praticado for igual ou inferior a 4 anos,
o juiz deverá adotar as medidas cautelares alternativas, pois o juiz
não terá amparo legal para decretar a prisão preventiva do
indiciado/acusado (cláusula legal objetiva).[4]
Com a nova lei, mesmo nos
crimes com pena superior a quatro anos, a prisão preventiva somente
poderá ser decretada pelo juiz em último caso, se entender que nenhuma
das outras medidas cautelares é adequada à situação. É dizer, ausente os
requisitos que autorizam a decretação da custódia preventiva dos
acusados, as medidas cautelares se impõem (lembrando que: prisão
preventiva não é pressuposto de condenação).
Importante destacar que: toda decisão, que decreta, substitui ou revoga a preventiva, deve ser motivada (art. 315, CPP).
Em suma, restringem-se as
hipóteses admissíveis da preventiva: crimes dolosos com pena privativa
de liberdade máxima superior a quatro anos, reincidência dolosa e
violência doméstica e familiar.
Cria-se uma inédita hipótese de prisão preventiva utilitária,
voltada ao indiciado/réu cuja identidade civil for duvidosa e não
houver elementos para esclarecê-la; porém, a prisão cessa seus efeitos
assim que a dúvida for sanada (art. 313, parágrafo único, CPP).
Mantém se a vedação da
aplicação de prisão preventiva a quem tiver cometido o fato típico sob o
manto protetor de alguma excludente de ilicitude (art. 23, CP), devendo
o juiz conceder liberdade provisória, sem fiança.
Assim, com a nova lei, está
mais claro que nunca: não se pode mais manter na cadeia, aguardando
julgamento, homens e mulheres que, se condenados, receberão uma pena
diferente da pena de prisão, como a prestação gratuita de serviços à
comunidade ou outra pena alternativa. É dizer, não faz sentido prender
provisoriamente pessoas acusadas por tais crimes, já que alguém
condenado por eles dificilmente será mandado para a cadeia e cumprirá
apenas uma pena alternativa.
Surge a prisão domiciliar cautelar,
que se justifica ou pela condição pessoal do agente, ou pela condição
de necessidade de seus dependentes. Em lugar de se manter o preso em
cárcere fechado, é inserido em recolhimento ocorrido em seu domicílio,
durante as 24 horas do dia (art. 317, CPP). Cuida-se de uma faculdade do
juiz, atendendo às peculiaridades do caso concreto, desde que
respeitado alguns dos seguintes requisitos (rol taxativo): a) ser o
agente maior de 80 anos; b) estar o agente extremamente debilitado por
motivo de doença grave; c) ser o agente imprescindível aos cuidados
especiais de pessoa menor de seis anos ou com deficiência; d) ser
gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco
(art. 318, I/IV, CPP). Caberá ao juiz deferir a prisão domiciliar diante
de prova idônea dos requisitos legais (art. 318, parágrafo único, CPP).
O art. 321 regula o cabimento
da liberdade provisória para todas as hipóteses quando ausentes os
requisitos da prisão preventiva. Nesse caso, deve o juiz impor uma das
medidas cautelares do art. 319, alternativas à prisão.
Sem dúvida, a maior virtude
da lei é a ampliação do rol de medidas cautelares, antes centradas na
prisão preventiva e na liberdade provisória. O novo art. 319 traz nove
medidas cautelares diversas da prisão, para serem aplicadas com
prioridade, antes de o juiz decretar a prisão preventiva que, com a
reforma da Lei 12.403, passou a ser subsidiária/excepcional, em plena
harmonia com o Direito Penal da intervenção mínima (Cf. NUCCI, 2011, p.
50). É dizer, as novas medidas cautelares tem preferência sobre a
decretação da prisão preventiva.
A nova sistemática confere
ao Estado maior controle sobre o agente. Se entre a liberdade e a prisão
nada mais havia, doravante o juiz terá à sua disposição nada menos que
nove medidas cautelares de alto impacto pessoal e social.
Para a aplicação das novas medidas cautelares processuais penais, alternativas à prisão, criam-se dois critérios básicos: necessariedade e adequabilidade.
Sob o manto do primeiro, deve-se verificar a indispensabilidade para a
aplicação da lei penal, para a investigação ou para a instrução
criminal, além de servir para evitar a prática de infrações penais. Sob o
segundo, atende-se à gravidade do crime, circunstâncias do fato e
condições pessoais do indiciado/acusado (art. 282, I/II, CPP).
Podem pleitear as medidas
cautelares, durante o processo: a) Ministério Público; b) querelante
(ação privada); c) assistente de acusação (ação pública), o que antes
não era permitido; Pode o juiz decretá-las de ofício. Podem requerer as
medidas cautelares, durante a investigação criminal: a) Ministério
Público; b) autoridade policial (por representação). O juiz não pode
decretá-las de ofício (art. 282, § 2.º).
O magistrado poderá optar por
uma ou mais cautelares concomitantemente, sempre justificando sua
decisão (art. 282, §1.º). As nove medidas cautelares estão previstas no
art. 319 do CPP, quais sejam: i) o comparecimento periódico em juízo, no
prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para narrar e justificar suas
atividades; ii) a proibição de frequência a determinados lugares, desde
que relacionados ao fato, evitando-se o risco de novas infrações; iii) a
proibição de manter contato com pessoa certa, mantendo-se distante; iv)
a vedação de se ausentar da Comarca, conforme a conveniência da
investigação ou da instrução; v) o recolhimento domiciliar, à noite e
durante as folgas; vi) a suspensão do exercício de função pública ou
atividade econômica ou financeira, conforme o caso concreto; vii) a
internação provisória do enfermo ou perturbado mental, havendo risco de
reiteração do fato; viii) a fiança; ix) a monitoração eletrônica.[5] Expressamente,
menciona-se a proibição de deixar o País, com o recolhimento do
passaporte e o alerta às autoridades competentes (art. 320, CPP).
Observa-se que várias delas já são conhecidas como condições para o gozo do sursis,
livramento condicional ou regime aberto. Há, inclusive, medida cautelar
utilizada como pena alternativa, caso da proibição de frequentar
determinados lugares. A novidade diz respeito à internação provisória,
que permite o recolhimento cautelar de enfermos e perturbados mentais,
que tenham cometido fato criminoso grave, sob suspeita de reiteração.
Também, outra novidade, é a monitoração eletrônica como medida cautelar,
dilatando, sobremaneira, a sua relevância, antes restrita às saídas
temporárias de presos no regime semiaberto e às prisões domiciliares
(Cf. a Lei n.º 12.258/2010).[6]
Quanto à fiança, que não é
bem novidade, mas tinha caído em desuso, a nova lei revitalizou-a. Agora
deixa de ser somente uma garantia real, aplicada na concessão de
liberdade provisória, para tornar-se medida cautelar, passível de
cumulação com outras medidas provisórias. Além de que, com a fiança,
prestigia-se à vítima, que nela poderá buscar a reparação pelos danos
sofridos.
A lei estabelece novos
critérios para o cálculo de fianças, utilizando como base o salário
mínimo, bem como permitindo ao juiz que diminua ou aumente os valores,
conforme a concreta situação econômica do indiciado/réu.
A fixação da fiança pode ser
feita pela autoridade policial para os casos de infrações cuja pena
máxima não ultrapasse quatro anos (no valor de 01 a 100 salários
mínimos). No mais, cabe ao juiz, ou seja, pena máxima superior a 04
anos, apenas o juiz poderá fixá-la (no valor de 10 a 200 salários
mínimos).
Em outras palavras, há novos
valores para a fiança; a) de 1 a 100 salários mínimos para infrações
cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse quatro anos; b) 10 a 200 salários mínimos para infrações cuja pena máxima atinge mais de quatro anos.
Neste caso, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos,
o valor poderá, dependendo da condição financeira do indiciado/acusado,
ser: i) dispensado para o réu pobre; ii) reduzido até o máximo de 2/3
(dois terços); ou ainda iii) aumentado em até mil vezes – e chegar a 200
mil salários mínimos, o equivalente a aproximadamente R$ 109 milhões.
Uma fortuna! (art. 325, CPP).
A fiança pode ser parcelada.
Se o acusado não depositar, é preso. Até a destinação final, o dinheiro
da fiança fica em conta judicial. Em caso de condenação, é usado para
reparação do dano, destinado à vítima, e pagamento de multa penal e
custas, ai destinado a União. Na absolvição ou extinção da ação penal, o
dinheiro é devolvido ao acusado, acrescido de atualização monetária. Na
hipótese de quebra da fiança (prática de ato de obstrução ao processo,
descumprimento de medida cautelar imposta e resistir a ordem judicial),
perderá metade do seu valor. É dizer, a pessoa fica ciente: se quiser
reaver o dinheiro vai ter que cumprir as condições impostas.
Somente são inafiançáveis os
casos previstos na Constituição Federal: a) racismo; b) tortura, tráfico
de drogas, terrorismo e crimes hediondos; c) delitos de grupos armados,
civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático de Direito (art. 323, CPP). Proíbe-se a fiança, ainda: a) a
quem a tenha anteriormente quebrado; b) em caso de prisão civil ou
militar; c) quando presentes os requisitos da preventiva (art. 324, CPP)
Todavia, não havendo necessidade de
prisão preventiva, nem de providências cautelares alternativas, caberá
liberdade provisória. Só que aqui, não existe a possibilidade de o juiz
optar pela fiança, já que esta é vedada para tais crimes.
Em tese, a fiança deve ficar
como última medida cautelar, principalmente para detentores de poder
econômico e político (v.g. indivíduos que praticarem crimes financeiros,
políticos, lavagem de capitais, fraudes, e evasão de divisas).
Permitindo, assim, a possibilidade de concessão de liberdade provisória,
sem fiança, se o indiciado/réu apresentar precária situação econômica.
Abrindo um parêntese, sobre a
fiança, nota-se que desde que entrou em vigor a lei, magistrados estão
jogando pesado, fixando valores elevados a título de fiança para os
acusados.[7] Todavia,
temos que destacar que o Brasil é um país pobre. O arbitramento da
fiança não pode ser imposto em montantes que a tornem inacessível. Se os
magistrados exagerarem na graduação do valor vão inviabilizar o
instituto da fiança (v.g. em SP, 95% dos casos, as pessoas não tem
condições de pagar e continuam presas). A imposição de valor num quantum
inacessível ao acusado equivale a negar-lhe fiança. Não pode o
magistrado querer denegar a liberdade mediante o pagamento de fiança.
Não podendo pagar o acusado vai ficar preso. Tem que se haver o
equilíbrio e o bom senso do magistrado.
Não obstante, as medidas
cautelares buscam dois objetivos: permitir que o acusado responda solto e
garantir sua vinculação ao processo (comparecimento a atos do
processo). Perceba-se: as medidas cautelares funcionarão como uma
espécie de “período de prova preventivo” durante o processo. O
descumprimento de obrigações impostas poderá dar ensejo ao decreto
prisional.
Todavia, a pergunta que não quer calar: “será que o Estado terá condições de aplicar (e fiscalizar) essas medidas cautelares alternativas?”
Não obstante, para que a eficácia das medidas cautelares seja
efetivamente garantida, é imprescindível que os órgãos responsáveis pela
segurança pública se equipem com instrumentos que possibilitem a
fiscalização do cumprimento das medidas.
Outro ponto que se destaca é a
premente necessidade de aquisição de tornozeleiras eletrônicas por parte
do Estado. Somente com esse equipamento o inciso IX do artigo 319 do
CPP terá aplicação prática. Além disso, as tornozeleiras facilitariam a
fiscalização de outras medidas cautelares.
O descumprimento da medida
cautelar pode gerar a sua substituição por outra medida, a cumulação com
outra restrição ou, em último caso, a decretação da preventiva (art.
282, §4.º, CPP).
Segundo Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 88), “o
sucesso ou fracasso das novas medidas dependerá de dois fatores
preponderantes: a) a efetiva aplicação pelos juízes; b) o apoio, em
forma de recurso estatal, para muitas delas, como, por exemplo, a
monitoração eletrônica.” Inclusive, a medida mais cara é o
monitoramento eletrônico, com custo aproximado de R$ 600 a 800
(aparelho) e R$ 100 por mês (manutenção).
Para fechar este tópico, com a
nova lei, quatro artigos do velho Código de Processo Penal foram
expressamente revogados – arts. 323, IV; 393; 439 e 595.
Agora, revogou-se a hipótese de
prisão do réu vadio, extirpando-se mais um dispositivo inconstitucional
presente no CPP, pois a ciência criminal deve ser direcionada aos fatos
praticados, e não desenhado pelo legislador para determinado grupo de
pessoas (MARQUES, 2011).
Não há, como efeito da sentença condenatória, a prisão processual obrigatória.
O jurado mantém o direito à
prisão especial, com base no art. 295, X, do CPP, embora revogado a
segunda parte do art. 439 do mesmo Código.
A revogação do art. 595, que
consolida o entendimento de que o conhecimento da apelação do réu não se
vincula à sua prisão processual. É dizer, não há mais que se falar em
deserção pela fuga do réu, após ter apelado, tendo em vista a revogação
do art. 595 do CPP e a regra contida na Súmula 347 do STJ: “O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”. Inclusiva, há tempo vínhamos sustentando a patente inconstitucionalidade deste dispositivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para os opositores, com a
entrada da lei no país, se estaria na contramão da histórica, pois a
maioria dos países vem adotando leis mais severas para combater a
criminalidade.[8] Eles
também afirmam que comprometerá a segurança pública, temendo que a
liberação dos acusados cause sensação de insegurança na sociedade, além
de reforçar o sentimento de impunidade na população, que vai
desacreditar o trabalho da polícia, já que a pessoa que é presa será
colocada imediatamente em liberdade.
Com a devida vênia, este
movimento contrário a lei tem uma explicação sociocultural: a gente acha
que alguém só é punido quando é preso. Não obstante, a lei não vai
abrir caminho à impunidade. Não são todos os presos provisórios que vão
para a rua, já que a maior parte desse contingente não se enquadra no
perfil estabelecido pelo recente diploma legal, além de que, mesmo que
as mudanças tenham entrado em vigor, é preciso que um advogado
representando o preso provisório solicite a soltura e que um juiz aceite
o pedido. Por essa razão, nem todos os que têm direito à liberdade,
conforme a lei, deixarão a prisão. Na verdade, quem vai ser libertado é
por que não deveria estar preso.
Destarte, há uma ilusão na
sociedade, pois as pessoas acham que a prisão garante a segurança
pública, mas, na maioria das vezes, a prisão é que produz o próximo
problema, pois mais inseguro ainda é deixar essas pessoas presas,
convivendo com criminosos experientes. Manter na prisão quem comete
infrações sem violência, não é perigoso nem se constitui em ameaça
concreta ao convívio social é uma insensatez e desperdício dos recursos
gerados com o pagamento de nossos impostos. Também, temos que lembrar
que a prisão preventiva não é para punir. É uma medida, excepcional,
aplicada antes de uma pessoa ser considerada culpada. A regra é: o
processo você aguarda em liberdade.
A Lei n.º 12.403/2011
constitui, sem dúvida alguma, em nosso entendimento, avanço e importante
instrumento de justiça, por colocar a prisão, de uma vez por todas,
como uma medida de exceção. Utilizando os dizeres de Luiz Flávio Gomes (2011, p. 25) “a prisão cautelar é a extrama ratio da ultima ratio (que é o direito penal)”.
A liberdade não é algo passível
de devolução. Um presumido inocente não será levado à prisão
injustificadamente. Esse é o paradigma constitucional. Ou seja, a
reforma da lei elimina a cultura judicial do país de prender
cautelarmente os que são presumidos inocentes pela Constituição Federal.
Desde 1988, nossa Carta Política impõe ao Estado que ninguém seja
levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade (inciso
LXVI do artigo 5.º). Agora, abre-se um leque para a imposição de
medidas cautelares (diversas da prisão) de caráter pessoal, permitindo a
fiscalização sobre quem é suspeito e está sendo processado,
fortificando o princípio constitucional da presunção de não
culpabilidade.
Por fim, caberá ao Poder
Judiciário traçar estratégias e aplicá-la com vontade e criatividade,
para dela extrair o máximo de efetividade. Contudo, para garantir a
eficácia dessas medidas é imprescindível que o Estado forneça os
instrumentos necessários a sua fiscalização, sob pena de a nova Lei não
conseguir consagrar seus princípios.
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